quinta-feira, 30 de abril de 2020

MUDANÇA DE PLANOS



Dinamarca é um destino que eu e a Paz, no meio de nossos sonhos e promessas de viagens futuras, sempre especulamos. Surgia raramente em alguma conversa nossa, mas, por motivos totalmente diferentes para ambos, o nome do tal país nórdico estava sempre “pairando no ar”. Ela, super interessada na cultura, nos museus e na arquitetura do país. Eu, lógico, louco para conhecer a Legoland! E a fábrica da Lego também, claro! Se calhar, até ver uma partida de futebol. Afinal, futebol também é cultura, não? Um jogo de futebol de legos (“legobol”?), então, seria o auge!

Eis, então, que a Paz me presenteia com uma viagem de quatro dias para a Dinamarca. Aventura a dois, vale ressaltar (e festejar). Umas milhas, um feriado, uns avós ansiosos por ter as netas em casa e estava concretizada a viagem. Passagens compradas para o dia 30.04.2020, aproveitando o feriado de 1º de maio.

COVID-19. Mudanças de planos.

Antes de mais, não estou aqui a reclamar por ter perdido a chance da minha vida de poder passar 4 dias dentro da Legoland. (Na verdade, seriam 3 dias, já que o primeiro eu passaria no hotel, dormindo ou me beliscando para ver se era verdade que não escutava gritos ou choros de criança). Estou, apenas, constatando o fato óbvio.

Já não iremos para Copenhagen hoje, nesta semana ou na próxima. Raios! Entre 1 e 3 de maio, não poderemos nem sair do concelho onde estamos!

Minhas viagens, de momento, resumem-se a ir ao mercado. Fico super feliz de ir, a qualquer hora do dia, em qualquer dia da semana. Uma aventura de 3 horas, em busca de papel higiênico, bolachas e biscoitos, barras de chocolate e bebidas com teor alcoólico leve a moderado.

Quando sei de véspera que terei de ir às compras, nem durmo direito à noite, tamanha a ansiedade. Acordo mais cedo, me visto todo bonitinho, limpo as mãos, faço a checagem do álcool gel, dou uma lustrada na máscara. Vez ou outra, até penteio o cabelo. Faço hora para as pessoas da casa acordarem e o mercado abrir. Entro no carro a cantar e saltitar. Torço para ter engarrafamentos, para ter filas na porta do mercado, para não encontrar itens no mercado e ter de ir em outro. (Confesso, já até deixei de comprar algo em um mercado só porque “sabia” que poderia encontrar no outro…)

Sim, a palavra que estás a pensar é…patético.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

LOUVRE



Desde que as ditas quarentenas e reclusões se iniciaram, ao redor do globo, uma onda de companheirismo, correntes positivas e sentimento de ajuda ao próximo tomou conta das redes sociais. Mensagens alegres e otimistas, dicas e ideias de como atravessar da melhor forma possível o período de confinamento. Exercícios diários, ginástica, ioga, pilates, meditação e as mais diversas formas de respiração. Receitas de alimentação saudável, dicas de saúde mental e psicológicas. Dicas mil de leitura, filmes e entretenimento virtual. Um mar de inspiração para aqueles que sabem nadar em tão diferentes ondas.

Eu, confesso, fiquei só na beira deste mar, ali na marola. Um exercício matinal aqui, um suco de laranja ali, uma prova de bolo sem glúten acolá. E o blog desoriente-se que, por si só, já me parece um tsunami…

Dentre todas as dicas, umas me chamaram mais a atenção - as visitas virtuais. Não que seja uma ideia nova (turismo digital, por exemplo, já ocorre há tempos), mas começaram a inundar “meu Whatsapp” com dicas de visitas virtuais para os mais diferentes locais, seja com foco turístico ou cultural.

Resolvi, então, focar algum esforço nos museus, já que a oferta, parece-me, ocorre para todas as principais instituições do planeta. Uma ideia, a princípio, espetacular. Ora, você, de casa, a rondar pelos mais diferentes museus, a conhecer as mais diferentes obras, peças e amostras. Se conectar com praticamente todas a civilizações que nos precederam e que existem até hoje, ter a história da humanidade na palma de sua mão.

E, logo o primeiro espaço cultural que me veio à cabeça foi o Louvre. Tive a chance de visitá-lo brevemente no passado. Lembro-me de pouca coisa, por conta das longas filas e do número quase que irracional de gente a perambular pelo museu. Uma multidão que parecia só querer ver a Mona Lisa, embora não tivesse a mínima noção de onde ela poderia estar. Recordo-me, também, de ter de andar em uma velocidade um pouco mais acelerada para que pudéssemos ver o máximo de coisas possível (coisas, por favor, entendam como obras artísticas e relíquias das mais antigas e fantásticas civilizações). A sensação que me deu era que, basicamente, estava em uma espécie de gincana, onde o objetivo era chegar o mais rápido possível a uma das saídas do museu, vendo o máximo de coleções ao meu alcance, sem atingir ou esbarrar em nenhuma obra, atropelar uma única criança, derrubar máquina de fotografar alguma ou ser engolido pelos grupos de turistas alvoroçados. Canseira.

Pois, de casa para o Louvre. Só bastava uma boa conexão de internet, telefone devidamente carregado, disposição e, principalmente, tempo livre.

É, muito tempo livre, visto que o maior museu do mundo leva em torno de 100 horas, segundo cálculos matemáticos avançados (feitos por pessoas que, assim como eu, não são matemáticas…) baseados na premissa que um indivíduo leva apenas 10 segundos na frente de cada uma das 38.000 obras expostas. Segundo alguns entendedores de arte e afins (que não é o meu caso…), um tempo para a apreciação de uma obra gira nos 30 segundos, logo, passarias não 100 horas, mas 100 dias para percorrer os 72.735 m² do museu. (Fora os, sei lá, dez minutos que perdes a fitar os olhos da dita La Gioconda!)

Então, temos aqui um pequeno problema. Onde um pai de família, a viver enfurnado dentro de casa com duas crianças pequenas, consegue arranjar tanto tempo livre para percorrer, mesmo que virtualmente, o Louvre?! Entre troca de fraldas, leites, birras, bolachas, pão, mais bolachas (e birras), frutas, brinquedos, choros, almoço, sestas, lanches, passeios secretos pelo bosque, um pouco mais de bolachas, outras frutas, limpar o chão das migalhas de bolachas e dos nacos de frutas, trabalhos de escola (também virtual), banhos, um bocadinho mais de bolachas, um bocadinho mais de birras (isso nunca acaba), jantar, remédios, talvez mais bolachas, correrias e gritos histéricos “pré-cama” pela casa e o processo de por na cama, não creio haver muito tempo livre para o Louvre. Este ou qualquer outro dos museus.

O tempo que sobra é para trabalhar a mente, comer, beber, (vez ou outra) tomar banho, reclamar de vírus e deletar as dicas que recebo de como viver bem durante o processo de confinamento.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

O ESCARAVELHO



Madalena e Carolina seguem seu passeio pelo “bosque”, ao lado de casa. Entre correrias, tropeços, gritos e danças (de adoração ao sol, penso eu), elas sempre se deparam com algo novo. E a novidade da vez são os escaravelhos. Na verdade, já fazem uns dias que a Madá vem criando uma relação de empatia com esses animais.

Para quem não sabe ou não consegue associar o nome a “pessoa”, escaravelho é atribuído aos animais do filo dos artrópodes, da classe dos insetos, da ordem dos coleópteros e da família dos escarabeídeos, composta de cerca de 15 espécies, das mais diversas formas (sim…pesquisei no Google). Para a Madá, é apenas aquele “bichinho lindo, todo pretinho, que anda de um lado para o outro e tem medo de gente”.

Voltando ao passeio, Madá, que vai bem a frente de nós (é a líder, segundo ela), se depara com um escaravelho em especial. Ele é menor que os demais. Então, agachada, começa a conversar com o diminuto animal. Por sua vez, ele se encolhe logo que ela começa a tocá-lo, mesmo que de forma leve e suave, como se quisesse acalmá-lo ou ganhar a sua confiança. Madá faz “carinha de querida” e voz de bebê para o animal (sim, vai resultar…). Tenta de tudo para que o inseto se sinta confortável com sua presença.

Enquanto isso a Carol vem bem atrás, atrasada devido as pernas curtas e sua incapacidade psicomental de focar em um ponto ou seguir uma linha reta. Chama pela irmã ao mesmo tempo em que agacha-se e uiva para o céu (sim, ela é destas).

Madalena começa a ficar apreensiva. Não sabe o que fazer para o bichano lhe fazer companhia. Começa a fazer perguntas ao bicho e, visto que o retorno é “zero”, aponta-se para mim:

- Pai, por que ele não se mexe?

- Ele está com medo de você, Madá.

- Mas eu não quero magoá-lo. Só quero que ele ande comigo.

- Só isso? E esse ele não quiser? Ou não puder? Ele é daqueles pequenos? Pode ser um filhote a procura da mãe. Deixa ele aí sossegado até a mãe voltar.

- Posso esperar com ele?

- Fica a vontade, o pai seguirá o caminho com a Carol.

- Tá bom, pai. Tchau.

E então, “Bam”! Carol chega a cena e pisa o escaravelho. Madalena, com os olhos arregalados, volta-se para mim, horrorizada. Carol ri! Feliz ela, que encontrou a mana e o escaravelho. (Sim, eu também ri…)

Madá cruza os braços, faz cara feia para a irmã mais nova e, antes de esboçar uma reclamação, contempla um outro escaravelho logo a seguir. Vida que segue.



quinta-feira, 16 de abril de 2020

INSTAGRAM



A ideia era criar um blog para publicar minhas histórias e estórias. Algo simples. Eu, vez ou outra, abria uma cerveja e me sentava a frente do computador para, digamos, vomitar alguns pensamentos, debater algumas conversas prévias ou destilar um pouco de veneno. Nada de muito complicado. Tampouco que me causasse problemas maiores.

Daí, minha mulher vem com a conversa do Instagram. Sim, que a tal plataforma seria uma ferramenta perfeita para divulgação do desoriente-se e de suas publicações.

Não adiantou muito eu argumentar que os textos eram, sobretudo, um instrumento que usara para relaxar ou uma forma para manifestar alguns demônios. Ela tinha a certeza (dela, como é óbvio) de que aquilo que eu escrevo pode ser ingerido por outras pessoas e que essa mídia social poderia ajudar a “juntar o grego aos troianos”.

Lógico, carente de argumentos (como sempre) fui voto vencido (outra vez). O resultado é uma conta criada no Instagram.

Não satisfeito, o desoriente-se passou a ter um logo (idealizado por nosso grande amigo Afonso, meu “guru” do Instagram). E as publicações do blog, fiquei sabendo, estarão nessa mídia social, de alguma forma que ainda preciso compreender.

Pois, não sou um profundo conhecedor do “insta”. Vou além, não me via usando deste nem-tão-novo artifício digital. Porque, simplesmente, não me pareço adequar com a rede social em questão. Verdade seja dita, a culpa, se existe, é minha.

No meio dos meus 38 anos, sou daqueles que já se cansa só em ler e-mails. Sou do tempo do ICQ (aquele com o logo da “florzinha”) e o auge da minha inclusão sociodigital foram mIRC e Orkut. Desisti do Facebook, tenho preguiçado Twitter e uma certa aversão aos meios sociais digitais mais novos.

Veja bem, não tenho nada contra a mídia incorporada pelo Facebook, que parece ser bem legal, ou aos seus usuários. Eu é que não consigo me ver no Instagram. Não consigo pensar em um momento de minha existência que valha a pena postar (ou publicar?) na ferramenta. Dá para entender? Nem eu entendo.

Fato é que fui, digamos, encorajado a utilizar o Instagram. Cada publicação de minhas crônicas no blog será (já é…) acompanhada de uma referência na tal mídia social. Com cores bonitinhas, excertos do texto original e mais umas tantas peripécias.

Aquilo que antes fazia, que era me entorpecer em doses homeopáticas de álcool, redigir algo sem nexo e, a seguir, publicar no blog, agora terá de esperar um pouco. Terei, assim, de pedir ajuda ao membro capaz da minha família ou ao meu guru para me auxiliar a inserir “as novidades” na ferramenta.

Escrever, nos dias de hoje, parece ser mais complicado que antigamente.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

AS QUARENTENAS, ISOLAMENTOS E RECLUSÕES


Vi um homem entrevistado na televisão, um dia desses, a dizer que estava de quarentena e, logo a seguir, estava em isolamento social. A reportagem seguiu, como se nada fosse. Porém, aquilo me deixou confuso. Afinal, ele está (ou esteve) doente ou não? Temos, aqui, uma questão muito importante (pelo menos para os chatos, como eu).

Se eu encontro este sujeito na rua e ele me diz “estou em reclusão domiciliar” ou até o bonito “estou em distanciamento social”, de imediato, simpatizarei com sua situação. Provavelmente (mantendo a devida distância), abordarei o tema respondendo que também estou. Na provável carência de um mínimo de contato social (que não o familiar), até alargaremos uma conversa, por exemplo, a nos vangloriar por prestarmos o que julgamos ser um bom serviço à sociedade em que vivemos. No fim, acenaremos um ao outro e caminharemos aos nossos destinos com a sensação de bem-estar e coisa e tal.

Agora, se o mesmo indivíduo me encontra na rua e fala “estou de quarentena”, dou um salto mortal para trás e mando prender o meliante enfermo. (Talvez eu esteja exagerando um pouco na reação. Talvez.)

Há ainda a hipótese de esta pessoa vir ao meu encontro com a fala “estou em isolamento”. Ok, e aí? Isolamento preventivo ou isolamento obrigatório? Simpatizo ou fujo? Mais informação, é o mínimo que peço. Ou nem vem falar comigo. Faça como os outros que, ao me verem na rua, simplesmente abaixam a cabeça, levam as mãos próximas ao rosto e aceleram os passos. Põe-te a andar!

E, no meio disto tudo, acompanho as notícias de Portugal e do Brasil. Lógico, estes termos “técnicos” são diferentes. Quer dizer, acho que são. Já nem sei de mais nada. O novo coronavírus (e nunca cheguei a conhecer os outros) está fritando meus miolos. Como diz o outro, "estou mais perdido que azeitona em pão doce".

terça-feira, 7 de abril de 2020

BATE-PAPO



Dias atrás, juntei-me com dois amigos para “tomar uma". Fazia tempo que não nos encontrávamos. E continuamos sem nos juntar. Sim, porque, ao contrário da tradicional mesa de bar, cheia de garrafas vazias e copos cheios de cerveja acompanhados de petiscos nada saudáveis, fomos obrigados a beber cada um em seu canto, em uma reunião virtual.

Deves achar que a reunião de amigos ocorreu desta maneira por razões, digamos, pandêmicas. Poderia e deveria ser. Entretanto, neste caso particular, foi por distância mesmo. Com um em Portugal e os outros dois nas metrópoles brasileiras São Paulo e Rio de Janeiro, essa foi a maneira encontrada para o bate-papo.

Confesso que estava precisando de desanuviar um pouco. Com o ritmo de vida atual, moldado pela tentativa árdua de driblar o famigerado vírus, me encontro (como muitos outros por aí) um tanto confinado. Tal cotidiano tem me deixado tenso, inquieto, ansioso. E, contra estes desconfortos psicológicos, nada melhor que encontrar os amigos para aquela habitual roda de conversa fora, o famoso e amado papo-furado.

Não sei como funciona (e se o retorno é satisfatório) para as mulheres, mas para os homens, o convívio, mesmo que momentâneo com nossos colegas, é algo que faz um bem danado. Falar besteira, trocar ofensas, discutir bobagens, pincelar sobre assuntos sérios, avançar sobre os gostos de cada um, sublinhar as mazelas dos mesmos, saborear o passado e rir do presente, sem dar muita moral para o futuro. Ajuda muito, neste processo, uma companhia etílica, que age como um lubrificante ou catalisador da resenha social.

A conversa, em si, rodou em torno do assunto do momento – COVID-19, o vírus, além de seus desdobramentos sociais e econômicos. Assunto importante, que foi devidamente tratado com doses de seriedade, bom senso e sobriedade, misturados com pitadas de bom-humor, malícia, sarcasmo, desinformação e insensatez. Típico de mesa de bar.

Ao final de uma pouco mais de duas horas de conversa, minha garrafa de mezcal quase vazia e um largo sorriso no rosto.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

O SENHOR DO BARCO

Início do período de reclusão social. Por sugestão dos principais órgãos e instituições de saúde, nenhum ou pouquíssimo contato com outros cidadãos. Sair de casa, em Portugal, só em casos de extrema necessidade.

Pois bem, surgiu uma tal extrema necessidade de sair de casa. Pegar o carro e ir a Lisboa. O caminho a ser percorrido envolvia pegar um ferry boat. Nada demais, visto que a circulação de veículos se encontra um tanto reduzida nos dias de hoje.

Na hora de pagar o ticket do barco, saco um cartão do bolso. Normal. E lá vem o senhor com a máquina de mão, pronto para pegar meu cartão. Ele vem todo pomposo, como sempre, com sua cara emburrada e de poucos amigos. Porém, nesses dias atuais, julguei que, para sua própria proteção, estaria usando umas luvas e uma máscara qualquer. Não, para que? Ele deve ser dos meus, que acha que tomar duas cervejas antes do almoço, uma taça de vinho durante a refeição e um medronho antes da sesta o manterá livre das tais doenças que andam por aí (e por aqui).

Aproximei o carro lentamente e olhei para ele, ainda custando a acreditar que ele não possuía nenhum tipo de proteção (sem ser a divina). Dei meu corriqueiro bom dia e levei com o seu silêncio cotidiano. Nós nos damos bem, assim. Ele pega meu cartão e leva a maquineta. E eu a espera que ele acabasse logo com o processo para ele me devolver o cartão. Sabe como é, sei lá por onde ele passou aquela mão. (Na verdade, nunca soube! Só o coronavírus para me fazer pensar nisso)

Eis que o senhor mal-humorado, depois de enfiar o cartão na máquina, leva a mão ao seu portentoso nariz e dá aquela esfregada, seguido de algo como um espirro ou sei lá o que. Termina por dar uma fungada para, depois, pegar o cartão com aquela mesma mão.

“Então, tás louco ou o que?!”…pensei. E agora, o que faço? Ligo o carro, acelero e deixo o cartão com o doente (sim, espirrou na minha frente, deve estar moribundo, não?) ou tento pegar o cartão? Como diabos vou pegar o cartão? Claro, também não tenho luvas (tão pouco máscaras ou qualquer coisa que o valha). Estou, faz uns dez dias, tentando comprar. Devo conseguir quando acabar a pandemia.

Ele estica a mão e me dá o cartão. Eu, sem ter muito o que fazer, recebo o “pacote da morte” e jogo em um dos compartimentos do carro. Vejo a Paz, minha mulher, ao meu lado com uma cara que era mais uma mistura de nojo com pena. Percebia que ela gostaria de serrar a minha mão, tudo em prol da nossa família, é claro.

O senhor acena para mim, com a cabeça, me dando adeus. Inédito, diga-se de passagem. Seria, esse, nosso último encontro?

Rapidamente, esfrego a mão nas calças (meramente psicológico, claro). Ligo o carro e dou a partida. Seguimos viagem até Lisboa.

Voltei a ver o senhor por esses dias. Ainda sem luvas ou máscara. Dei graças e Deus por ele estar bem. Passado o meu terror, comecei a pensar que eu poderia ter passado algo para ele. Eu ou os não sei quantos que passam por aquele barco todos os dias. O engraçado é que outros trabalhadores do barco usam os equipamentos de proteção individual. Ele, rabugento que é, deve achar que não é necessário. O tempo nos dirá.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O INÍCIO


Inicialmente, desoriente-se foi uma ideia concebida em 2015, ainda durante nossa viagem sabática pela Ásia e Oceania - uma incursão de quase um ano pelo mundo oriental que rendera, dentre tantas coisas, muitas histórias e estórias. E o desoriente-se seria justamente um livro retratando tal viagem, reunindo fotos e textos sob a forma de crônicas.

Pois bem, passou-se o tempo e, por conta de nossas tarefas mundanas e minha total incapacidade de terminar as cerca de 40 crônicas, a ideia do desoriente-se acabou por ficar de lado. Um conceito que, vez ou outra, nos ronda a cabeça. Afinal, estou falando de uma aventura que, para nós, foi única e que, se nos deixou sem qualquer reserva financeira, nos enriqueceu de todo o resto. O livro, ao menos, serviria como lembrança para nossas filhas, familiares e amigos.

E cá estamos, 1º de abril de 2020. COVID-19. Pandemia. Caos. Reclusão. Parece até mentira.

Se calhar, trata-se de uma boa hora para voltar a escrever, visto que percebo o meu nível de ansiedade a aumentar exponencialmente a cada dia que passa. Talvez, sei lá eu, por temer pela saúde de meus familiares e amigos. Ou por incertezas sobre o lado profissional. Quem sabe, simplesmente por falta de convívio social. O fato é que as crônicas podem me ajudar nessa matéria, mesmo que só seja eu a expor algo. Falar para o vento, se não mais.

Seja lá como for, declaro que o projeto desoriente-se sairá da gaveta, com uma roupagem um tanto diferente, sim.

Nasce sob a forma de blog e para tratar do que me vier à cabeça, como o cotidiano de um pai de família brasileiro em terras portuguesas, visão de mundo em tempos loucos, “pitacos” sobre o nada e o irrelevante, devaneios sociais e afins. E, como o conceito do livro não morreu, usarei o espaço para reviver algumas daquelas histórias (e estórias). Explicarei mais do porquê do nome desoriente-se, por exemplo.

E, para deixar esse blog ainda mais completo (ou estranho, fica a seu critério), obrigarei a minha outra metade, Maria da Paz, a adicionar algumas fotos. Por que não?

Sim, isso tem tudo para dar errado. Veremos.