terça-feira, 6 de outubro de 2020

O MASCARADO

 







Já lá vão uns bons meses usando máscara e, mesmo assim, não dá para dizer que estou habituado ao novo utensílio diário, bem como ao cotidiano no qual tal objeto é referência.

Ainda mais eu, que sou daquele tipo de bípede que se esquece de tudo, capaz de sair de casa sem as chaves ou carteira. Sabe aquela espécie bastante especial de gente que vai ao mercado e, no meio do caminho, lembra que está sem dinheiro ou cartão? Este mesmo que volta à casa, entra pela porta adentro, repara que deixou as luzes acesas, abre a geladeira para procurar uma coisa qualquer, bebe uma água de forma sossegada, suspira olhando para o teto e volta a sair de casa, sem levar tanto o dinheiro como o cartão. Então, eu sou desse grupo aí! E, convenhamos, a máscara, em si, é um objeto perfeitamente esquecível (embora, não desprezível). Para mim, então, esquecer da máscara tornou-se mais fácil que respirar.

Mas, pronto, tenho me (es)forçado para criar o hábito de ter um exemplar sempre em locais específicos e fáceis de lembrar. Mochilas, carro, bolsos das calças (!).

Vejo uma melhora clara, desde o começo da orientação ao uso das máscaras até agora. Já só esqueço vez ou outra (tal qual o descuido de fechar o zíper das calças). Meus problemas com as máscaras agora são outros.

Para começar, não existe um dia em que eu não cometa ao menos umas 350 ditas infrações ao utilizar a máscara. Não é só uma questão de esquecimento ou algum (ou muito) desprazer. Estou falando de certa falta de capacidade cognitiva e um considerável desajuste motor.

Ainda no começo desta chatice toda de coronavírus, usava a máscara com uma raiva tão grande quanto o cuidado que tinha com ela. Sim, porque, na época, as máscaras eram tão caras que estava mais barato trocá-las por um rim no mercado negro. Então, usar com cautela, manter limpa, tratar bem e dar carinho, era meu lema de vida.

O meu tipo de máscara era (e é…) daquelas mais simples, descartáveis, com a parte da frente azul e a interna branca. Nunca fui de usar as personalizadas, coloridas, “bonitinhas”, de pano ou tecidos mais resistentes (ao vírus e afins). Não tenho capacidade para gerir a correta limpeza desse tipo de apetrecho. E não confio em minha capacidade de manter as tais máscaras personalizadas sob minha batuta por muito tempo. E, no caso das mais simples, era usar com o devido cuidado até ela, milagrosamente, arrebentar uma das fitas que prende a máscara as orelhas.

Fato, elas sempre arrebentam. E, costumeiramente, isso ocorre quando estás prestes a entrar em algum recinto cuja utilização da máscara é obrigatória. E ela é a única na mochila. Ou no bolso!

Além do que, as máscaras descartáveis facilitavam o meu desapego as mesmas. Ainda mais pelos constantes problemas e percalços que tive com o manuseio delas.

Uma joguei fora porque estava mascando um chiclete. Ao notar que era hora de me livrar da goma, levei a mão na direção da boca, abaixei a cabeça e soltei graciosamente o chiclete. A guloseima, que deveria usar da força da gravidade e rumar à palma da minha mão, nunca atingiu seu destino final. Explodiu na máscara e se aconchegou entre a mesma e a minha barba. Nada adiantou xingar a máscara, o dono da máscara, o chiclete e o coronavírus. Tentativas de retirar a goma sem prejudicar a máscara (ou minha barba) foram em vão. Máscara no lixo e a utilização de uma nova (que vem com aquele tradicional cheiro de coisa ruim e que ninguém sabe o que é).

Outra, novinha em folha, joguei fora porque, aparentemente, um chocolate não é capaz de atravessar os microporos da máscara e chegar a minha boca. O resultado foi uma mancha marrom na máscara, que só aumentou com a minha tentativa frustrada de passar o dedo de modo a tentar limpá-la. Ainda ousei continuar meu caminho com a peça, porém, após ser perseguido por moscas, desisti da máscara. Lixo.

Umas duas outras “perdi” por elas terem caído no chão. Não podemos usar uma máscara que caiu no chão, certo? Ainda mais se as máscaras teimam em imitar o pão com manteiga e a parte da máscara que atinge o chão virada para baixo é justamente a parte que está em contato com a boca e nariz.

São tantas as máscaras, tantos os dias mascarado, tanto tempo passado a tentar se proteger, a procurar evitar o diferente, que tenho uma certa aflição de estar me acostumando com o não-tão-novo adereço facial. E isso me irrita ainda mais que prender a máscara na maçaneta da porta ou viver a desenrolar os fones de ouvido das mesmas. Me angustia ter de pensar que “esta nova forma de viver o mundo” de que tantos vem falando, envolve ter seu sorriso escondido por um pedaço de tecido malcheiroso. O mundo “lá fora” já estava enfadonho o suficiente sem isso. Quero voltar a ser um mero distraído sem máscaras.

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