sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A NOVIDADE


São 8:30 da manhã de uma quinta-feira, 27 de novembro do longo ano de 2015. Café da manhã tomado, mas a preguiça perdura.

Recebo mensagem da Maria da Paz, que ainda está no Nepal, a perguntar onde eu estou e se podemos falar por videochamada. Respondo, prontamente, que estou em casa e me preparo para ligar o computador. Desperto na hora, maldita adrenalina. Afinal, após minha volta para o Rio de Janeiro, qualquer mensagem da Paz é acompanhada de certa apreensão. Seria alguma notícia triste? Aconteceu algo de errado? Outro terremoto no Nepal? Perguntas que me faço enquanto o skype tentar conectar.

Eu voltei para o Brasil, no início de novembro, para procurar trabalho e tentar retomar nosso cotidiano, após o período sabático. A Paz ficou no Nepal, ao lado dos outros voluntários, para ajudar a finalizar algumas etapas dos projetos que participamos. Por tudo isso, comunicação que envolvesse chamada de vídeo no começo da manhã era, para mim, um motivo de preocupação.

Faço a chamada e, do outro lado, aparece uma sorridente e feliz Maria da Paz. O que me deixa confuso. Será que um terremoto fez com que batesse com a cabeça e terminasse de enlouquecer?  Ou esperou o marido cruzar o mundo de volta ao Brasil para começar a beber o famigerado raksi (um tradicional destilado produzido, geralmente no quintal de casa, a partir do arroz ou milhete e cujo teor alcoólico varia de acordo com a gana do produtor). Não sei. Se calhar estava feliz só de estar longe do esposo. Justo.

Fato é que, enquanto, trocamos as primeiras palavras, ela vai se empolgando, com mais sorrisos e joguinhos de palavras (sinal de embriaguez?). E eu, cismado, vou respondendo ao que ela pergunta com certa indiferença ou antipatia, afinal, era de manhã e meu humor, quando resolve acordar, só se revela depois do almoço.

E a Paz, toda serelepe, com um chumaço de folhas na mão. Pronto, vai me dizer algo. Trabalho? Projeto? Mais um projeto? Vai ficar no Nepal de vez?! Tenho de voltar para o Nepal?! Como pagarei uma passagem para o Nepal?! Lá vem ela com ideias!

Então, ela aponta algo parecido com um palito na direção da câmera. “Sabe o que é isto?”, pergunta ela. Respondo com meu tradicional (e sincero) “não faço a mínima”. Um tanto rude de minha parte, talvez. E, mesmo assim, ela se inflama, rindo. Estranho. Ela nunca reagiria assim ao meu “não faço a mínima”. Eu tento adivinhar outra vez, afirmando ser um termômetro e que ela estava muito doente, visto o comportamento atual. Ela balança a cabeça negativamente e aponta para as duas riscas azuis no meio do não-termômetro. Olho para aquilo como quem avista uma foca de óculos escuros e terno verde enquanto ela solta o grito: Estou grávida!

Neste instante, de um lado, uma pessoa com as bochechas rosadas e olhos marejados sorri o sorriso mais largo que já vi. Do outro, está uma pessoa perplexa, com ar matuto e feição de que, provavelmente pela primeira vez na vida, não tem resposta pronta para coisa alguma. Histeria de um lado, reticência do outro.

Ela, com um teste de gravidez em uma das mãos e um copo com vinho do outro, propõe um brinde. Eu me debruço contra a tela do computador, com a esperança de o dispositivo poder me sugar e transportar para o Nepal. Para fazer o que? Nunca saberei, pois, o débil laptop é incapaz de acompanhar meu desejo.

Ainda sem dizer se estou ou não feliz, corro para a geladeira a procura de algo para brindar. De manhã? Por que não?! 

A Paz, então, começa a tentar explicar o que estava acontecendo. Entre seguidos casos de mal-estar e enjoo, fizera o teste de gravidez e, após a indicação positiva, já até conseguira, com a ajuda dos amigos nepaleses, uma consulta médica. Tal consulta a ser realizada em um futuro próximo, logo depois de ela voltar das montanhas. Sim, Maria da Paz, a grávida, tinha uma visita marcada em umas vilas que sofreram com os enormes deslizamentos de terra ocasionados pelos terremotos. A gestante iria, inclusive, fazer longas caminhadas. Se tudo der certo e ela voltar dos Himalaias com saúde, seremos pais!

E pensar que, pouco mais de um ano atrás, optamos por largar tudo e seguir viagem para o dito Oriente. Uma (louca, um tanto obtusa e, claro, fantástica) ideia que partia de um desejo de descansar o corpo e mente. Se desorientar do que nos era cotidiano e procurar aliviar a dor por não conseguirmos ter filhos. E, no fim da viagem, o presente maior.

E, pensando nisso tudo, após ela perguntar se eu estava contente com a notícia. Eu respondo, com um sorriso comedido (e sem jeito…) que sim, que aquilo era a novidade de nossas vidas.

Por essas e outras que digo…essa viagem daria um livro…

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

DOIS



Dia desses, a Carolina fez aniversário. Dois anos. Dois!

O tempo voou. Com tanta coisa acontecendo, estes dois anos passaram rápido demais. Dizem que isso acontece quando temos o segundo filho. Que, enquanto com o primeiro tudo é novidade e vivenciamos cada acontecimento, o segundo é mais automático, com decisões mais rápidas, métodos e conceitos estabelecidos. Sem (tempo para) muitas frescuras. O bicho nasce e vai para o mundo.

Teve festinha. Bolo, bolas, balões. Gente, presente, correria, gritaria, sujeira, baderna. Tudo dentro do (novo…) normal, festa clássica de criança.

A mãe e a irmã estavam ansiosas, loucas para o dia de aniversário. Queriam festa (e dos animais!...). Música, dança, lanchinho. Amigos, família, alvoroço, balbúrdia, encontrões, mais presentes.

Carol não fazia muita ideia do que teria pela frente. Uma festa. Aniversário temático (dos animais!...), dia de comemorar os anos. Dois. Se quer saber, eu acho que ela não estava nem aí para a data especial ou o número em questão. Ela até sentia, pela vibração da mãe e alegria da mana, que algo de grandioso estava por vir.

Se calhar, estava à espera de um queque gigante, um balde cheio de uvas, um telefone para poder falar com as vovós e jogar no chão sempre que quisesse ou acesso irrestrito à geladeira e armários de casa.

O fato de ter uma festa especial para ela pareceu não ser uma questão que a fizesse mais ou menos feliz (ao contrário da mãe ou irmã). O que a deixou em êxtase (além dos enormes balões dos animais!) foi ver entrar pessoas para dentro de casa, uma a uma. Para ela, era mais gente para brincar, pular, correr, destruir e dar porcarias para comer. Mais cobaias para suas peripécias, mais amigos para viver o momento. Ela é disso, vive o agora como se não precisasse do depois.

Até teve música dos parabéns. Todos cantaram, felizes. Ela só abriu a boca para comer as guloseimas que “forravam” o bolo. Grande Carol! Preenche a sua vida com o que quer, e não com aquilo que é suposto fazer. Que se lixem as normas e padrões, que se quebrem os paradigmas. Já é assim e só tem dois.