segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

AQUELE MOÇO DA OBRA

Lá vem ele. De roupa trocada, cara lavada, barriga forrada e sorriso no rosto. Simpatia deve ser sinônimo de respeito ao trabalho. Estar de má cara não deve ser bem visto. As manchas na roupa e as calças remendadas revelam as quantas batalhas. O dedo rasgado e os arranhões no braço remetem ao esforço atual. O roxo da unha já é tradição, mero percalço e, até, fonte de alguma anedota.

A sua luta é diária, inglória, ativa, sofrida. Já lá vão anos. Nem se lembra quantos. É mais do mesmo, sem trégua. Não reclama, é-lhe indiferente. Já nem sabe (ou cabe) razão. Sofre contido, quando tem tempo para tal. Ele bem que gostaria de parar, mudar, mas não é fácil. Nunca foi, para ele e para muitos outros.

Estão sempre a labutar, colegas. Sorriem, discorrem em conversas, contos, estórias, piadas. Cantam alto e mal. Dançam o que conseguem, objeto de mais risadas e futuras ofensas. Ofender, aliás, é não ser parceiro, aliado, companheiro das horas difíceis.

Não podem parar, prazos a cumprir. O atraso, o erro, é sempre deles. Doenças e outras enfermidades são somente para os outros. Fadiga física, há muito, não existe. Enrijeceu, músculos e nervos. Calejou. Habituou.

Ele tem de estar apto, são, presente. Diariamente, onde for, para quem for. Não há horário vago, lacuna, dentro de sua rotina. Rotina, aliás, é um nome bonito para a vida que leva.

Quebrar, arrebentar, desmontar, soltar. Destruir. Juntar, embrulhar, varrer, carregar. Subir, descer, levar, trazer. Preparar, medir, calcular, errar. Desfazer, refazer. Ouvir. Segurar. Levantar, montar, moldar, soldar. Erguer, fabricar, pintar, apertar. Construir. E, como sempre, amanhã tem mais.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

BOLOTA DA SORTE

 

Madalena chega a casa, me procura e vem a saltitar em minha direção. Me chama, pede para eu abrir a mão e diz que me dará um presente. Trata-se, segundo ela, de uma bolota da sorte. Coloca a prenda em minha mão, me dá um beijo daqueles molhados no rosto (ela deu para beijar as pessoas, agora…) e segue sua vida. Pois é, em suas andanças pelo bosque, achou uma bolota da sorte e resolveu trazer para o pai.

Confesso, fiquei emocionado, paralisado com o gesto. Acredito que não deva ser todo o dia que ela encontre uma bolota da sorte pelo bosque. Penso que, para ela, uma bolota da sorte deva ser algo importante o suficiente para ser tratada como um presente, uma dádiva. E, logo eu, recebi a prenda.

Então, comecei a pensar mais sobre o assunto. Bolota da sorte. Qual a razão que ela teria para dar, justo para mim, a bolota? Falta-me sorte? Minha filha me vê como um azarado? Ela sabe o que é azar?! Preciso de mais coisas boas na vida? A bolota é mesmo da sorte?! Onde ela achou?! Posso mais?! O bosque!

Ou, simplesmente, minha filha entrou em casa, me viu sentado em um canto, com uma cerveja na mão, cabisbaixo ou pensativo, e resolveu me alegrar com um singelo afago.

Olha, não sei. O fato é que a bolota da sorte foi a melhor coisa do meu dia. Me fez ver (ou relembrar) que problemas podem ser resolvidos com pequenas atitudes.

Agora, ando a carregar uma bolota pelo bolso. Fora as formigas na calça, mal não faz.