Diz-se,
no folclore gaélico, que Banshee é um ente fantástico, um espírito feminino
cujo grito seria um presságio de morte, um aviso de falecimento iminente de um
membro da família a qual tal criatura estaria conectada.
O
termo Banshee deriva do irlandês arcaico "Ben Síde", e
corresponde a algo como fada-mulher, onde Ben significa mulher e Síde seria a
forma possessiva de fada. Embora sem origem específica, historiadores traçaram
as primeiras menções sobre as banshees em histórias celtas do século 8. Relatos
baseados em uma tradição onde determinadas mulheres cantavam canções tristes
para lamentar a morte de alguém, geralmente de sua própria família ou de
famílias importantes da Irlanda.
Como
toda mitologia, com o passar do tempo, os relatos confundiram-se com as crenças
e ditos populares. Alguns desses relatos apresentavam as banshees como seres capazes
de soltar gritos a serem ouvidos por quilômetros de distância, podendo
estourar até mesmo um crânio. Outros tratavam as fadas-mulher como uma figura
espectral flutuante, geralmente sendo extremamente assustadora, que apareceria
sempre a lamentar.
Textos
relatavam, ainda, pessoas que viam as banshees como mulheres aficionadas,
tratando as mesmas como pecadoras e que aceitavam o álcool como pagamento para
“cantar” a morte de alguém. Há os que clamavam que se fosse vista, a Banshee
desapareceria em uma nuvem de névoa. Diziam, também, que os uivos emitidos por
essas fadas seriam suficientes para relaxar até os ossos.
Sejam
quais forem suas origens, as banshees aparecem na bibliografia principalmente
sob um dos três disfarces: uma jovem, uma mulher ou uma pessoa esfarrapada. São
comumente descritas como mulheres altas, esguias, de cabelos escorridos. Qualquer
que seja a forma, porém, sua face é sempre muito pálida e seus cabelos podem
apresentar-se negros como a noite, loiros como ouro ou ruivos como o sol.
Fato
é que uma Banshee, segunda consta, pertence exclusivamente ao povo Celta. Ela
jamais será ouvida a anunciar a morte de qualquer membro de outras etnias que
compõem a população irlandesa, europeia ou mundial.
Bem, eu
não creio ser de origem celta. Me vejo mais como produto de costelas oriundas
de povos do hemisfério Sul. Não posso dizer o mesmo de minhas meninas. Filhas
de mãe portuguesa e com os dois avós maternos do Norte de Portugal, região
ocupada pelos celtas por volta do século 3 A.C., aqui podemos encontrar um fio
de ligação entre os celtas e minha família, embora tal período histórico e
região da Europa não permitam a conexão com o período de referência das
banshees. E qual a minha razão para esta tentativa frustrada de vincular minhas
filhas as fadas?
Tenho
em casa algo que eu julgo ser, por falta de outra palavra, sobrenatural: o
grito da Carolina, minha filha de 1 ano e meio de idade. Alguns dirão que é
normal uma criança dessa idade gritar, outros dirão que o período pandêmico me
deixou menos paciente e mais enjoado. Concordo com tudo. Sim, ela está na idade
de gritar e berrar. Sim, ela é a segunda filha e precisa de se fazer ouvir.
Sim, ela é um pequeno ser humano muito intenso e tal intensidade precisa ser
manifestada de alguma forma. Não discordo de nada posto acima.
Mas
há algo de diferente na criança em questão (e não vem de agora). Seus gritos,
berros ou uivos são de outro mundo. Quando ela grita, o mundo parece parar. É
um som alto, agudo, estridente. Porém, não é ruidoso ou barulhento. Dói ao
princípio, segue como uma agulha fina e contundente e finaliza como se estivéssemos
anestesiados.
Não
importa quão barulhento esteja o ambiente, seu grito parece que cala tudo a sua
volta. Grito, esse, que é acompanhado quase sempre de um sorriso largo e cheio de
pequeninos dentes.
O
grito impressiona, choca, atordoa, incapacita. Ele preenche todos os espaços,
desloca a mente do corpo, enrijece os nervos, esmorece os músculos, dá início ao
hiato. Tudo para, menos ela. Basta soltar a voz e os seres humanos a sua volta
padecem.
Carolina
não é irlandesa, (ainda) não voa, parece ser bem alegre, só canta “Baby
shark”, “As rodas do ônibus”, “A dona aranha” e outras músicas infantis irritantes.
Carolina não bebe álcool, não carrega (muito) ódio em seu coração, não
desaparece nas nuvens ou possui um ar assustador. Não se assemelha a uma jovem
ou a uma mulher e, quase nunca, está vestida de forma esfarrapada. Não é loira,
está longe de ser ruiva ou pálida. Não possui quase nenhuma das características
provenientes das fadas-mulher. Ainda sim, seus gritos parecem atravessar meu
crânio e relaxar meus ossos.
Se
calhar, com essa tal de globalização, as banshees de outrora evoluíram para o que
são, hoje, pequenas, roliças e ternurentas criaturinhas que adoram gritar até
estourar os vidros das casas. Digo isto porque Carolina, desde que compreendeu
que poderia emitir sons usando como ferramentas seus pulmões, diafragma, cordas
vocais e todo o resto do seu fantástico aparelho fonador, ainda aos 3 ou 4
meses de idade, desandou a gritar para o mundo. Berra sorrindo, chorando,
triste ou alegre, do amanhecer (com o leite) ao anoitecer (com a papa). Carolina berra.
De
toda a forma, a lenda diz que banshees não causavam morte; elas serviam apenas
como um aviso disso. No caso da minha amada filha, se ela não causa a minha
morte, cada urro histérico que dá põe fim a minha paciência e aniquila meu
humor. E o único aviso que seus gritos me dão é que o histerismo começou e está
na hora de ela ir para a cama, que amanhã é um novo dia.